13 de outubro de 2021

Fundos Patrimoniais: o posicionamento da Receita Federal

Um dos esforços do advocacy liderado pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social Privado, com o apoio da Coalizão pelos Fundos Filantrópicos, era ter um posicionamento da Receita Federal do Brasil com relação a alguns pontos de dúvida sobre a legislação tributária aplicável aos Fundos Patrimoniais constituídos com base na Lei 13.800/19, dado que ela não trouxe questões tributárias. E, para tanto, apoiou a ENIMPACTO, que através da Subsecretaria de Inovação da Secretaria de Desenvolvimento da Indústria, Comércio, Serviços e Inovação do Ministério da Economia, apresentou uma Consulta formal à Receita Federal do Brasil sobre 8 questões.

O posicionamento da Receita Federal, expressado na Solução de Consulta nº 178, de 29.9.2021, porém, veio na contramão do que há no exterior, em termos de tributação dos endowments, contrariando a Constituição Federal do Brasil e diversas decisões de nossas cortes, administrativas e judiciais, sobre temas similares.

IMUNIDADE OU ISENÇÃO

A Receita Federal entendeu que a imunidade não se impõe às organizações gestoras de fundo patrimonial, porque a imunidade das instituições apoiadas não se aplica às organizações gestoras. Na prática, isso significa que, no entendimento da Receita Federal, os fundos patrimoniais constituídos com base na Lei 13.800 deverão tributar pelo Imposto de Renda os rendimentos e ganhos de capital auferidos em aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável, ainda que se dediquem exclusivamente a uma escola, a uma universidade ou a um hospital, sejam eles públicos ou filantrópicos. No entendimento da Receita Federal, as Organizações Gestoras de Fundo Patrimonial têm direito apenas à isenção do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro, isenção essa que não alcança os rendimentos e ganhos de capital auferidos em aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável.

Nossa Constituição Federal garante o regime da IMUNIDADE de impostos a instituições sem fins lucrativos de educação, saúde e assistência social. A função dessa imunidade é a desoneração das instituições privadas que, sem intuito de lucro para seus associados, cumprem algumas das obrigações do Estado, garantindo o compromisso maior de nossa Constituição com o dever do Estado em prover os meios de acesso à educação, à saúde e à assistência social a toda a população brasileira. Esse é o valor essencial por trás da imunidade.

A Lei 13.800 veio trazer um mecanismo eficiente e profissional de geração de recursos de longo prazo para as instituições de educação, saúde e de assistência social, com proteção ao patrimônio do Fundo Patrimonial, a fim de que ele seja perenizado, e de forma segregada ao patrimônio das instituições públicas ou sem fins lucrativos que ele apoia. Mas, a partir desse posicionamento da Receita Federal, estruturar o fundo patrimonial na própria instituição passa a ser mais econômico, tributariamente.

Na prática, com base nesse posicionamento da Receita Federal, caberá às instituições avaliarem quando será vantajoso ter um fundo patrimonial gerido por uma organização gestora de fundo patrimonial, na forma prevista pela Lei 13.800. Essa avaliação deverá ser feita, também, pelas instituições que atuem somente como doadoras de recursos e que tenham seus fundos patrimoniais, ainda que não adaptados à Lei 13.800.

MANUTENÇÃO DO PRINCIPAL DO FUNDO PATRIMONIAL APLICADO, INCLUSIVE NO EXTERIOR, COM UTILIZAÇÃO APENAS DOS RENDIMENTOS

Outra questão que foi levantada trata da manutenção do principal do fundo patrimonial aplicado e utilização apenas dos rendimentos em favor das instituições apoiadas, podendo manter ativos no exterior. O entendimento da Receita Federal foi de que isso é possível, sem afastar o direito à isenção.

Importante notar que a Receita Federal não avaliou a questão para as instituições imunes, que possuem condição adicional de aplicar integralmente seus recursos na manutenção e desenvolvimento dos seus objetivos sociais. A questão de essa condição se aplicar apenas à destinação dos rendimentos do fundo patrimonial às instituições apoiadas não foi respondida.

Na prática, as organizações gestoras de fundo patrimonial podem manter o principal aplicado, sem que isso possa ser considerado descumprimento da obrigação de aplicação de seus recursos na manutenção e desenvolvimento dos seus objetivos sociais, seja em ativos situados no Brasil ou no exterior.

MANUTENÇÃO DE PARTE DO PRINCIPAL DO FUNDO PATRIMONIAL EM QUOTAS OU AÇÕES DE SOCIEDADES EMPRESÁRIAS

A posição da Receita Federal, em complemento a uma outra recente Solução de Consulta, nº 121/2021, é de que “a participação em sociedade de natureza empresária desnatura a sua finalidade não econômica” e afasta o direito à isenção. Isso vai contra a política de investimentos de muitos endowments no mundo e à própria Lei 13.800, que determina que a instituição contrate gestor de recursos com registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ou que componha um Comitê de Investimentos, com pessoas com experiência nos mercados financeiros ou de capitais e, quando for o caso, administradores de carteiras de valores mobiliários, para que bem administrem os ativos do fundo patrimonial, de forma a perenizar e rentabilizar seu patrimônio.

Para que o Fundo Patrimonial mantenha em seu patrimônio apenas aplicações financeiras conservadoras, não é necessária a composição de qualquer órgão de governança especializado em mercado financeiro. No exterior, os endowments são grandes investidores institucionais e de risco. Foram os grandes endowments, fundos de pensão e grandes fundações que começaram o movimento dos investimentos de impacto e ESG, razão pela qual a ENIMPACTO articulou a apresentação da consulta, agora respondida pela Receita Federal.

É importante notar que a Solução de Consulta não levou em consideração as novas previsões da Lei Complementar das Startups, nº 182/2021, que prevê que as empresas que possuem obrigações de investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação, decorrentes de outorgas ou de delegações firmadas por meio de agências reguladoras, ficam autorizadas a cumprir seus compromissos com aporte de recursos em startups por meio de fundos patrimoniais de que trata a Lei nº 13.800, destinados à inovação.

Na prática, como a Receita Federal não vê óbice em as organizações gestoras de fundo patrimonial manterem o principal do fundo patrimonial investido, depreende-se que elas podem investir em produtos oferecidos por instituições financeiras, tais como quotas de fundos regulamentados pela CVM, títulos de renda fixa, devendo ser avaliados com maior atenção a aquisição de títulos de renda variável e os investimentos diretos em starups, em cumprimento à obrigação da Lei Complementar 182/2021. No entanto, o investimento direto em ações de empresas que não são negociadas na Bolsa ou em quotas de sociedade limitada, afasta o direito à isenção, na posição da Receita Federal.

ISENÇÃO DE CSLL E PIS SOBRE A FOLHA DE SALÁRIOS

A Receita Federal entendeu que as organizações gestoras de fundo patrimonial são isentas da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, e contribuintes do PIS sobre a folha de salários, e não sobre a receita, inclusive financeira.

CONFINS SOBRE RECEITAS FINANCEIRAS E DEMAIS RECEITAS “NÃO PRÓPRIAS”

Com relação à COFINS, a posição da Receita Federal foi um pouco mais restritiva. Como ela entendeu que as organizações gestoras de fundo patrimonial são isentas a impostos, o posicionamento foi pela tributação das receitas de aplicações financeiras à alíquota de 4%, deixando, ainda sob dúvida quanto a extensão da isenção das receitas de atividades próprias, as receitas previstas no art. 13 da Lei 13.800. Nesse ponto, a Receita Federal entendeu que nem todas as receitas expressamente previstas na Lei 13.800 poderiam ser consideradas receitas derivadas de atividades próprias das organizações gestoras de fundo patrimonial. No entanto, a Instrução Normativa 1.911/19 da própria Receita Federal prevê que “consideram-se receitas derivadas das atividades próprias aquelas decorrentes do exercício da finalidade precípua da entidade”.

Na prática, com base nesse posicionamento da Receita Federal, caberá às instituições avaliarem a conveniência de iniciar uma discussão administrativa ou judicial quanto à tributação das receitas financeiras pela COFINS, assim como as demais fontes de receita que a organização gestora venha a auferir, sendo certo que as doações e contribuições associativas são isentas da COFINS. As demais, deverão ser analisadas caso a caso.

REMUNERAÇÃO DE MEMBROS DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO, COMITÊ DE INVESTIMENTOS E CONSELHO FISCAL

Neste ponto, apesar de a Lei 13.800 expressamente permitir a remuneração de membros de todos os seus órgãos de governança, a Receita Federal entendeu que a isenção deve ser mantida apenas se a remuneração for paga a membros da gestão executiva da instituição, com os limites de valor e grau de parentesco previstos na Lei 9.532.

Na prática, essa posição da Receita Federal afasta a possibilidade de remuneração dos órgãos consultivos – Comitê de Investimentos – ou de controle interno – Conselho Fiscal –  podendo ser cabível, em alguns casos, aos membros do Conselho de Administração, afastando o profissionalismo almejado pela lei dos Fundos Patrimoniais.

INCENTIVO FISCAL À DOAÇÃO

Por fim, a Receita Federal entendeu que as doações feitas às organizações gestoras de fundo patrimonial são dedutíveis como despesa operacional, da base de cálculo do IRPJ e da CSLL de pessoas jurídicas que apuram imposto de renda pelo lucro real, respeitado o limite de dedução da legislação.

Priscila Pasqualin
Sócia responsável pela área de filantropia e investimento social de PLKC Advogados

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