Em 02.06.2021, foi publicada a Lei Complementar nº 182 (“LC 182”) que institui o marco legal das startups e do empreendedorismo inovador, introduzindo princípios e diretrizes aplicáveis tanto para o direito privado empresarial, como para a administração pública, com o fim de criar um ambiente regulatório favorável para as empresas inovadoras e facilitar os investimentos nessa área.
Nos termos da nova lei, as startups são definidas e enquadradas como organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados. São elegíveis para esse enquadramento o empresário individual, a empresa individual de responsabilidade limitada, as sociedades empresárias, as sociedades cooperativas e as sociedades simples:
(i) com receita bruta de até R$ 16.000.000,00 no ano-calendário anterior, ou em valor proporcional se a empresa exerceu atividades em período inferior a 12 meses;
(ii) com até 10 (dez) anos de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia; e
(iii) que atendam a um dos seguintes requisitos, no mínimo: (a) declaração em seu ato constitutivo ou alterador e utilização de modelos de negócios inovadores para a geração de produtos ou serviços; ou (b) enquadramento no regime especial Inova Simples.
De acordo com a LC 182, fica mais clara a definição do investidor anjo, seus direitos e obrigações e dos variados instrumentos de investimento, que poderão ou não resultar em participação no capital das empresas, tais como mútuos conversíveis em participação societária, opção de subscrição de ações, opção de compra e debêntures conversíveis.
Enquanto o instrumento de investimento não for convertido em participação societária, o investidor não será considerado sócio ou acionista, nem possuirá direito a gerência ou a voto na administração da empresa, conforme pactuação contratual. Por outro lado, o investidor não responderá por qualquer dívida da empresa, inclusive em recuperação judicial, estando imune, ainda, aos efeitos da desconsideração da personalidade jurídica, nos âmbitos cível, trabalhista e tributário, exceto em casos de dolo, fraude ou simulação de investimento.
Caberá à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) estabelecer regulamento para permitir o investimento em startups pelos fundos de investimento.
As startups poderão ainda receber recursos por meio de empresas que possuem obrigações de investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação, permitindo, inclusive, que Fundos Patrimoniais ou Fundos de Investimento em Participações (FIP) nas categorias capital semente, empresas emergentes e empresas com produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação passem a investir neste tipo de empresa.
Sob o ponto de vista tributário, esta lei acabou por deixar claro que os Fundos Patrimoniais podem ser investidores de startups, afastando a dúvida gerada a partir da Solução de Consulta da Receita Federal 524/2017 de que os investimentos em empresas com fins lucrativos representariam desvio de finalidade.
Com essa interpretação, a LC 182 representa um estímulo ao investimento em startups, pois trouxe uma forma alternativa de cumprimento das obrigações, legais ou contratuais, de investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação que concessionárias ou outorgadas de serviço público têm dificuldades de cumprir. Conforme a nova norma, poderão cumprir com a obrigação através de FIPs ou de Fundos Patrimoniais, sendo que caberá ao Poder Executivo Federal regulamentar a forma de prestação de contas e fiscalização do FIP e do Fundo Patrimonial que receberem tais recursos.
No caso do Fundo Patrimonial constituído nos termos da Lei 13.800/19, a doação tem eficácia liberatória da obrigação, sendo que a sua destinação estará adstrita às diretivas indicadas pela entidade setorial responsável por fiscalizar as obrigações legais das empresas.
O Marco Legal prevê ainda regras para simplificar a contratação de soluções inovadoras pelo Estado, inclusive mediante uma modalidade especial de licitação, e a possibilidade de criação de programas de ambiente regulatório experimental (sandbox regulatório) por entidades da administração pública com competência de regulamentação setorial, de forma a afastar a incidência de normas sob sua competência para que empresas inovadoras experimentem modelos de negócios inovadores e testem técnicas e tecnologias, com acompanhamento do regulador. Essa previsão, juntamente com a possibilidade de captação de recursos junto a FIPs e Fundos Patrimoniais, cria um ambiente regulatório favorável para o investimento conjunto – público e privado, com e sem fins lucrativos – em soluções de demandas públicas e privadas que necessitam de pesquisa, desenvolvimento e inovação.
Por fim, a nova lei altera regras da Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404/76), simplificando algumas obrigações de forma a facilitar a constituição das startups sob desse tipo societário. Referidas alterações societárias aplicam-se, entretanto, a quaisquer sociedades anônimas e estão detalhadas no Boletim PLKC nº 014.
Os efeitos da LC 182 entram em vigor após decorridos 90 (noventa) dias contados da publicação, ou seja, a partir de 31.08.2021.
Permanecemos à disposição para quaisquer dúvidas ou esclarecimentos.